IG Rosários4 #1: à conversa com Filipa Carneiro, sobre DESIGN

Em conversa com a Filipa Carneiro, knitwear designer portuguesa que colabora com a Rosários 4 há já alguns anos, explicamos como se desenrola o processo criativo dos modelos que publicamos, partilhando também o que é ser designer de tricot e crochet em Portugal – e os desafios associados.

 

Criadora de vários modelos para a Rosários 4, e grande conhecedora dos nossos fios, foi com a Filipa que iniciámos a tradição do xaile de Santo António, que já completou 4 anos – e 4 modelos, sempre lançados a 13 de junho. Começamos a conversa por relembrar que a escolha do fio para o xaile Arraial já tinha sido feita, precisamente, um ano antes:

“Sim é verdade, um ano antes a peça começou a ser definida, a ser pensada; o fio estava escolhido, e eu também já tinha uma ideia daquilo que queria fazer. E sim, a peça esteve um ano no “forno” a ser trabalhada – não é só o momento de tricotar, mas todo o processo que está envolvido antes.”

A importância das amostras

O processo de criação foi explicado pela designer, que reforçou o facto de que as amostras são parte determinante da criação: “os fios precisam de ser trabalhados: quando chego a casa com novelos novos, a primeira coisa que me apetece fazer é começar a fazer amostras, porque não é a mesma coisa que ver o fio no novelo.” Para a Filipa as ideias multiplicam-se depois de mexer no fio, “depois de tricotar e de brincar um bocadinho”.

A conversa em vídeo permitiu que a Filipa partilhasse algumas amostras feitas anteriormente para modelos Rosários 4: as amostras do casaco Amália e da Camisola Abraço foram imediatamente reconhecidas, e percebemos que foram muitos os testes da designer até chegar “ao ponto e textura ideal para as peças”. E isto faz parte do processo criativo, porque depois de conhecer bem o material – o fio – é tempo de pesquisar. Este processo “às vezes longo”, é o “perceber o que é que resulta melhor, os pontos que faz sentido usar, as cores… no fundo, definir a peça. E, às vezes, é muito simples, e outras vezes é um bocadinho mais complicado”, afirma.

O tricot e a matemática

Depois de definidos o fio e a ideia da peça, chega “a parte mais técnica, a parte em que faço realmente o esquema da peça, o desenho com as medidas.” Partindo da informação dada pelas amostras, é tempo de fazer contas: “quantas malhas é que tenho de montar, quantas malhas é que tenho que rematar na cava, todo o conteúdo que depois aparece num texto do esquema, mas que inicialmente são feitas de uma forma muito matemática, numa página de Excel, em que transformo medidas em malhas, centímetros em malhas e carreiras.”

Para a designer, o design de peças em tricot ou crochet é um 50/50: 50% criatividade – idealizar a peça; 50% técnica – traduzir o desenho em boas contas.

O esquema está pronto, a peça tricotada. E agora?

Quando a peça está pronta chega uma parte importante do processo: test knitting, ou seja, a partilha do modelo com test knitters para que possam tricotar, testar, perceber se o modelo está bem explicado, se existem gralhas ou dúvidas.

Sobre isto de ser tester Filipa explica: “às vezes as pessoas acham que para poder ser tester tem que se ser super experiente e saber tricotar imenso, e não é bem assim: por vezes, quem já sabe tricotar muito não lê tudo [todas as instruções] e acaba por não seguir o esquema”. Para a designer “quem não sabe ainda tricotar muito bem ainda e está a aprender, acaba por ser uma tester fantástica porque repara em tudo, e quando não consegue fazer alguma coisa é porque realmente eu não expliquei bem, e tenho que alterar essa informação.”

O trabalho com a Rosários 4

Quando chegamos à fase em que a peça está pronta e já foi testada, é hora de paginar o tutorial que, mais tarde, chegará às mãos do público. Depois de feitas as alterações resultantes dos testes, “nascem os ficheiros finais, que traduzo e envio para a Rosários 4.

Aqui, na Rosários 4, quando as instruções nos vários idiomas já estão concluídas, e a peça está connosco, iniciamos o trabalho de fotografia e de paginação dos tutoriais. A equipa de design gráfico prepara os PDF que depois serão disponibilizados para o público – em formato digital, no site rosarios4.com ou no Ravelry, ou em papel, disponíveis nas retrosarias que vendem os nossos fios. Mas até o ficheiro estar concluído, há sempre revisões pelo meio, e muitos procedimentos que requerem a nossa atenção. Sobre isso, a designer partilhou: “às vezes estou a rever um modelo que já tricotei há dois meses e a peça já não está tão presente na minha memória: ter de rever os cálculos de uma peça, e perceber o que pode não estar bem, é sem dúvida a parte que me dá mais dores de cabeça.”

A gestão das dúvidas

Depois de passar pelo olhar atento de muitas pessoas, é tempo de disponibilizar o tutorial. A partir deste momento, podem surgir algumas dúvidas – normal para quem faz a peça, considerando que se está a seguir um modelo totalmente novo. A gestão destas dúvidas pode, às vezes, ser desafiante: Eu gosto de ajudar toda a gente, mas as dúvidas chegam via email, e através das redes socias; são muitas as mensagens e às vezes torna-se impossível acompanhar toda a informação.” – e mais complicado ainda, responder a tudo, principalmente em plataformas onde as mensagens facilmente se misturam ou confundem, como acontece nas redes sociais.

Para a gestão das dúvidas relacionadas com os modelos, a Filipa destaca o email e o Ravelry como canais preferenciais e mais eficazes.

Lidar com o erro

Quando alguém aponta um erro, “numa primeira fase fico sempre muito triste porque não gosto de me enganar”, partilha Filipa Carneiro, pois os lapsos acontecem e, por vezes, basta um engano a “copiar um número do Excel para o Word”. Nestas situações, o conteúdo é de imediato revisto. Nem sempre, contudo, se trata de um erro – às vezes é apenas uma questão de interpretação do esquema, gráfico ou instruções, até porque “a própria terminologia, a forma de escrever é diferente nesta área. Há que assumir o erro, corrigir e esperar que as pessoas compreendam que os erros acontecem.” – sobretudo num trabalho e processo manual como o tricot e o crochet.

Os desafios de um designer

Quando questionada sobre a profissão de designer e se era possível viver apenas disso, Filipa considera ser “uma pergunta difícil.” Explicou que a margem de lucro resultante da venda de tutoriais é reduzida e que normalmente “ronda os 5 euros. A quantidade de esquemas que teria de vender num mês para conseguir tirar um ordenado é difícil [de alcançar]”. Acrescenta ainda que “a maior parte dos designers que conheço não vive só dos esquemas, dão também as aulas e workshops. Desempenhando em simultâneo as duas actividades, é possível; ser só designer é difícil no mercado em que estamos; aqui em Portugal somos muito poucos.”

Quase no final da entrevista, foi ainda abordado um tema importante e do qual é necessário falar – a reprodução ou partilha não-autorizada de tutorias. Partilhar um esquema pago com alguém representa uma redução da receita que pode ser gerada para o designer, receita esta que lhe pode dar maior margem ou disponibilidade para poder investir em novos designs. A própria designer refere: “muitas vezes não é por mal, mas pessoas não têm a noção que nos estão a prejudicar de uma forma muito direta. Não partilhem os esquemas, é uma dor muito grande no nosso trabalho.” Consciente de que estamos ainda numa fase de consciencialização para esta questão, Filipa destaca a importância de “explicar às pessoas que isto é um trabalho árduo e exige mesmo muito esforço, pelo que deve ser respeitado, estimado. Eu acho que as pessoas nos deviam estimar mais, cuidando e protegendo aquilo que é fruto do nosso trabalho.”

Para terminar, a designer mostra-se feliz e motivada para continuar a fazer o que tanto gosta: “felizmente, cada vez temos mais designers em Portugal e fico mesmo feliz, porque acho que quantos mais formos a fazer isto, melhor.”

Convidámos os seguidores das páginas da Rosários 4 e da Filipa Carneiro a partilhar as perguntas que gostariam de ver respondidas neste directo. Aqui está o resultado:

R4: Existe algum programa para fazer um design?

FC: Eu não conheço nenhum, se alguém encontrar que me avise, por favor, que eu compro (risos). Ter programas ajuda, como por exemplo, o Excel. Outra pergunta foi se havia alguma formação específica para ser designer. Eu não tenho formação nenhuma formação específica, como design de moda; aliás, a minha formação base não tem nada que ver com moda; mas eu fiz muita formação sozinha, porque chegar até aqui exigiu muito tempo de estudo, de dedicação e aprendizagem. Não foi um processo curto, porque apesar de não ter uma formação em design de moda, enquanto autodidata, investi muito tempo, e continuo a investir a aprender e a estudar. Continuo a fazer formações online com designers estrangeiros e a aprender técnicas novas e novos desafios. Ainda recentemente, por exemplo, fiz um curso relacionado a questão dos tamanhos e de como adaptar um modelo a diferentes tamanhos. O que existe, no fundo, são ferramentas, como por exemplo o Excel, mas que temos de preparar, definir e adaptar às nossas necessidades de utilização. Ou programas para “passar para o digital” os gráficos.

R4: Quais foram os maiores desafios e obstáculos que encontraste quando começaste a trabalhar como designer?

FC: Eu acho que há dificuldades internas e externas. A primeira, para mim, foi ultrapassar a necessidade de perfeccionismo e passar a um “melhor feito que perfeito”. Decidir que tens que avançar, não ficar presa. Depois vem o desafio, no início, de ser desconhecida, por isso torna-se difícil conseguir divulgar o trabalho e é necessário arranjar ferramentas para isso.

A segunda é vencer a barreira da confiança para apresentar propostas para publicações estrangeiras. Há muitas publicações que aceitam candidaturas de designers: revistas de tricot, sites. Quando estamos a começar, achamos que não somos capazes, mas no fundo o que é preciso é ter uma boa proposta, fazer um bom trabalho. Hoje em dia, com as redes socias, há ferramentas para ultrapassar isso e rapidamente conseguimos ter alguma notoriedade. Também existe o apoio das marcas que muitas vezes oferecem fio aos novos designers, o yarn support, e vocês na Rosários também 4 fazem isso.

R4: Quantas horas tricotas por dia?

FC: Um bocadinho todos os dias, de certeza. O meu mínimo? Acho que menos de 2h por dia nunca tricoto, e depois há dias em que tricoto mais e dias em que tricoto menos. E ainda bem que sei tricotar em duas técnicas, com o fio no pescoço ou com o fio na mão, e vou alternando porque senão ficava cheia de dores nos pulsos. (risos)

YARN SUPPORT

Para mais informações sobre o apoio a novos designers através da oferta de fio Rosários4 para novos modelos, contacte-nos através do email [email protected].

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comentários

  • MARIA CRISTINA PAIVA

    Boa tarde Filipa Carneiro. Gostaria de fazer o modelo nº 254 Marvila. No ano passado adquiri vários novelos do Bouquet (verde água) para um top, do qual me sobraram 2 quase 3 novelos. Adoro aquela cor e o fio, muito bom de trabalhar. Gostaria de lhe colocar 2 questões:

    Em sua opinião este fio é igualmente adequado para uma peça Marvila?

    Posso adquirir o modelo no tamanho L recorrendo a transferência bancária? Não tenho como utilizar os outros meios de pagamento.

    Aguardo a sua opinião. Obrigada desde já pela sua disponibilidade.

    Cristina Paiva

      Responder
    • Olá!
      Para contactar directamente com a Filipa Carneiro, recomendamos que envie email directamente para: [email protected]
      Aproveitamos ainda para partilhar que o fio Bouquet tem uma espessura muito superior à do Marvila, pelo que não será a melhor opção para este modelo. Recomendamos o Marvila ou o Alfama.

        Responder

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